domingo, 3 de maio de 2009

Conformismo Descobrimento Liberdade

O filme que abriu o X Festival Internacional de Cinema de Brasília, em exibição única, não poderia ter sido melhor: Vicky Cristina Barcelona, que é o último interessante trabalho do diretor Woody Allen (Ponto Final – Match Point), que dispensa apresentações. O longa-metragem que começou parecendo mais um filme das irmãs Olsen (duas amigas em algum lugar significante no mundo vivendo aventuras amorosas temporárias), acima de tudo, fala de relacionamentos, diferenças, maneiras de ser e encarar o mundo, com ambientação na estonteante Barcelona – Espanha, com suas ruelas e monumentos que dão todo o charme e determinam a atmosfera do filme, bem turístico.
Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (a sexy Scarlett Johansson) são amigas desde a infância e, como o próprio narrador afirma, são parecidas em quase tudo, menos no amor. A primeira está fazendo mestrado em Identidade Catalã, por isso a visita ao país; gosta do certo; é realista, racionalizadora; e quer uma vida estável, ao lado do seu futuro marido. Cristina, ao contrário, gosta do diferente; é contra o status quo, atitude interpretada apenas como “aparecimento” dela; está desocupada; e é uma artista tentando se encontrar – “tenho o que expressar, mas não tenho talento para fazê-lo”.
Em uma exposição, Cristina se interessa por um tal pintor chamado Juan Antonio (Javier Bardem, em mais um papel fora do comum), homem que, segundo informações, terminou o relacionamento recentemente de uma forma muito escandalosa - um tentando matar o outro. Mais tarde, as duas garotas o conhecem ao serem abordadas de uma forma bem direta. Foram convidadas para viajar à Oviedo em uma hora, e irem pra cama com ele. As duas. Curto e grosso. Vicky fica chocada, mas Cristina se interessa ainda mais, por não ser um homem “fabricado”, produzido em série como a maioria. Acabam indo. Viajar apenas.
Na primeira noite Juan refaz a proposta da noite à três, e Cristina, que cada vez mais se enlouquecia pelo rapaz, topa, mas na hora H algo que havia comido não fez muito bem. Então, termina por ter que ficar alguns dias de repouso. A oportunidade perfeita para Vicky conhecer um pouco mais Juan – um homem realmente direto, sem papas na língua, o que por vezes o faz dizer algo indevido, porém sincero com os outros e, principalmente, consigo mesmo, o que lhe confere um charme especial.
Mesmo noiva e faltando pouco tempo para se casar, Vicky passa uma noite com Juan, depois se afastando. Assim que melhora, Cristina passa a morar com ele. Ela começa a se encontrar na fotografia e na poesia. Mas como o passado mal-resolvido acaba por voltar, María Elena (a magnífica Penélope Cruz), ex-mulher de Juan, tenta se matar e tem de ficar com eles por um tempo. “Uns dias?”, pergunta Cristina. “Uns meses”, responde o pintor.
Penélope, numa interpretação de total entrega, encarna uma mulher passional, temperamental, bipolar, forte (por lutar pelo o que quer) e fraca (pela tentativa de suicídio), que por vezes beira a loucura. O relacionamento com Juan era de paixão e brigas (geralmente pelo bem do outro), mas algum ingrediente faltava para equilibrar as coisas. No amor não se tem tudo, nada é perfeito. A última peça que faltava era justamente Cristina. No começo, María não confiava nela, mas depois até ajudou-a a se descobrir.
O filme passa a tratar, de uma forma leve, descontraída e sem preconceitos, uma nova configuração social, um novo tipo de relacionamento, que envolve questões sexuais, sem descambar para a nudez e sexo explícito, e vai contra a religiosidade – um triângulo amoroso bissexual. Contudo, como declara Cristina: “Não tem que ficar rotulando sempre. Eu sou eu!”.
Essa revolta contra a sociedade e suas normas antiquadas se expressa também na figura do pai de Juan, que faz belíssimas poesias, mas por raiva, talvez, as nega ao público. Se as pessoas não merecem ou não sabem dar valor, apenas o senhor, desbocado como o filho, saberá responder.
Com um humor simples, irônico, inteligente e sarcástico, típico de Woody, o filme é completamente catalão, marcante em todos os 93 minutos de exibição. Cada cena, planos (belos, suaves e não-estáveis) e ações acompanhavam a trilha sonora, exortando: “Barcelona, Barcelona!”.
Tudo parecia tranqüilo até Cristina sofrer um ataque de “insatisfação crônica” e contar que não podia mais viver esse ménage à trois. María enlouquece, dispara palavrões em espanhol e presenteia os espectadores com uma das melhores cenas do filme. Juan, mais racional, pede: “Lembremo-nos dos bons momentos passados juntos”.
Pela mesma época, Vicky descobre que Judy, quem a hospedou, não ama realmente seu marido, casou-se sem sentimentos, porque teve medo de correr atrás do seu verdadeiro amor, por ser uma atitude insegura. Preferiu trocar o incerto pelo certo, e foi um erro. Contudo, estava disposta a não deixar Vicky cair na mesma armadilha. Não passava de uma tentativa de “reescrever sua própria história”.
Em um final, não menos interessante, Vicky não conseguiu se libertar, porque tinha absorvido, através da educação, o espírito conservador e a moral da sociedade. (Don) Juan é fadado a ser um conquistador e a brigar sempre com María, que afirma que “só um amor não realizado pode ser romântico”. Cristina continuou sua busca, e o mundo a girar...
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