terça-feira, 29 de março de 2011

Ah, o Amor! [1/10]

ROLETA RUSSA DO AMOR


Eis o sentimento mais presente na vida humana, mesmo quando ignorado; debatido por analfabetos e filósofos, crianças e idosos, desde sempre; analisado, expressado e imortalizado em músicas, palavras, gestos, fotografias, filmes e obras de arte. Ah, o amor! Quem nunca o sentiu? Todos amam, mesmo que somente a si próprio.

Traz uma valiosa lição a música Nature Boy (1947), parte da trilha sonora do filme Moulin Rouge [os românticos já viram. Se você não, assista antes de continuar a leitura!]. Ela diz: “A coisa mais importante que se pode aprender na vida é amar. E, em troca, amado ser”. Não é exatamente o que se busca na vida – ser amado? No fundo, as ações humanas almejam o reconhecimento e aprovação de outrem, ainda que apenas de Deus.




Nenhum tipo de amor, porém, substitui o de um companheiro. Desde pequenas, as pessoas são bombardeadas com todos os tipos de histórias de amor e, claro, todas com final feliz. Estes iludidos inocentes crescem e descobrem que o sapo não vira príncipe, mas que quase todos os que parecem príncipes são, na verdade, sapos; que o “felizes para sempre” se torna “que seja eterno enquanto dure”; que o “homem da sua vida” nunca vai chegar em um cavalo branco, mas se chegar em um Pálio básico já está no lucro; que o amor à primeira vista vai se revelar uma paixonite da qual se arrependerá em 3, 2, 1...; e que os encantamentos e bruxas para atrapalhar seu relacionamento estão por todos os lados: a vizinha fofoqueira, a amiga invejosa, o pai superprotetor e a sogra que pode ser uma pedra no sapato.

É, pobre criança, quem te disse que contos de fadas se tornam realidade? Você foi enganada, não é mesmo? Agora pergunto: quem te disse que contos de fadas NÃO podem se tornar realidade? A vida, as suas experiências, o ex-namorado que te enganou por meses, o casamento arruinado de seus pais, a sua tia solteirona ou o senso comum?

Não existe príncipe, existe ser humano, com qualidades e defeitos. Não existe final completamente feliz, entretanto, mesmo com todas os percalços, você pode tornar o começo, meio e fim o mais feliz possível. Cavalo branco, Ferrari, bicicleta, ônibus, a sola do sapato? O meio de transporte é mesmo importante, Srta. Maria Gasolina? E saiba que as pessoas só invejam o que admiram. Regozige-se e seja feliz com seu relacionamento! Caso tenha um.



Solteiros, preparem-se para a batalha. Encontrar a pessoa ideal [falarei sobre ela no próximo post] é quase como ganhar na loteria. É preciso fazer a sua parte e torcer para que a sorte/destino/Deus te ajude. Porém, não desespere! Dentre os 7 bilhões de habitantes do planeta, pelo menos um será seu. Se não pretende sair do Brasil, são 190 milhões de opções – um bom número ainda. Se é homossexual, teoricamente, 10% [há controvérsias] jogam no seu time. O número não é grande, mas a concorrência também não. [Há outros poréns que serão discutidos em seu tempo.]

As idades médias dos novos casados são 29 anos (homens) e 26 (mulheres), de acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2009. Além disso, 42,8% da população brasileira é solteira, 5,4% divorciada e 5,9% viúva – ou seja, mais da metade está livre, leve e solta. 80% dos que têm até 24 anos ainda estão solteiros. 60% dos que têm até 29 anos, também. Depois dos 30 é que começa a ficar um pouco mais complicado encontrar um bom partido desimpedido, mas não há vitória sem batalha, e tudo o que é melhor vem com mais dificuldade, não é mesmo? Tenha fé!

Não faltam pessoas no mercado, ficou claro até agora. E por que, mesmo assim, é tão difícil encontrar a famosa cara metade? Principalmente hoje em dia, quando a internet facilita tanto a paquera. Nas redes sociais, salas de bate-papo e fóruns é possível selecionar pessoas segundo interesses e gostos. Sem dúvidas, você conhece muito mais gente, contudo, quantidade não significa qualidade.

O açougue pode ter muitas ofertas de carne, porém nem todas são de primeira. Todo mundo quer a picanha, não o coxão duro. Nem mesmo um pescoço quer um músculo. O pescoço também quer o filé mignon. Abusado e sonhador este! Morre solteiro e não sabe o motivo. Vá assistir ao conto de fadas correto, querido! A princesa Fiona terminou com o ogro Shrek. O burro casou com o dragão. C’est la vie! [Dica: se quer alguém melhor, melhore primeiro.]



A verdade é: existem muitas pessoas que poderiam vir a se tornar um grande amor. Pode haver várias boas oportunidades no seu bairro, mas você nunca chegará a conhecê-las. É impossível bater de porta em porta e interrogar todos os homens que te agradam para saber se ele é o “the one”. Pode chorar agora!

O que posso fazer para conhecer um amor?, você pergunta. O que posso fazer para acelerar o processo? Qual mandinga, amarração, macumba, oração ou reza braba é a mais indicada? A resposta é: não há resposta! Pode chorar um pouco mais!

Você pode “fazer a sua parte”. As pessoas mais extrovertidas, sociáveis, bem relacionadas e com mais contatos conhecem mais gente. São mais chances de acertar. E de errar também. Quem sai com frequência ou é bom de paquera tem vantagem. Ter perfis chamativos e interessantes [e verdadeiros, pelo amor de Deus!] nas redes sociais contam pontos. Ser bonito e se cuidar colocam um refletor ininterrupto sobre você por onde quer que ande. Sim, tudo isto ajuda, mas será que é mesmo necessário? No fim das contas, trará resultados mais rápidos? Talvez.

Parece que quanto mais você corre atrás e se desespera, mais o destino se diverte em brincar com seus sentimentos. Pode ser que aquele homem do seu lado no ônibus se tornasse um ótimo marido, mas ele é tímido para puxar assunto. Talvez, a mulher que acaba de deixar o restaurante, enquanto você entra, fosse a mãe perfeita para os seus filhos. A potencialidade está em cada vida que cruza o seu caminho.



O destino (ou seja lá no que você acredita), entretanto, vai se encarregar de colocar as pessoas certas, nos momentos certos, em seu caminho. Inclusive as pessoas erradas. Sim, até mesmo as erradas, pois será com elas que você terá bons aprendizados e se tornará mais forte para os relacionamentos vindouros. E, eventualmente, quando você se distrair (ou quando estiver atento o suficiente para perceber a atmosfera mudar), eis que aquele sentimento tão falado vai começar a ser bombeado em seu sistema, ainda que talvez imperceptivelmente no início. Um clichê que se aplica: tudo tem o seu tempo. Então, tenha paciência!

Igualmente importante é o autoconhecimento. Dizem que quem não gosta de ficar sozinho é porque não suporta a própria voz. Será o seu caso? Carência é outra praga a ser extirpada. Tornou-se também clichê afirmar: “Ame a si mesmo antes de amar os outros”. Ser lugar-comum não torna a sentença menos verdadeira. Talvez a pessoa ideal não apareceu até agora porque você ainda não está preparado. Enquanto isso, aproveite muito bem seu tempo para curtir a vida de solteiro (você sentirá falta dela) e para se conhecer, se amar e, assim, estar pronto para seguir adiante quando "O Homem/A Mulher" surgir na sua vida.


Observação: Se, além de viver no que parece ser uma eterna roleta russa do amor (atirando nas pessoas erradas até acertar a ideal), ter paciência e mentalizar coisas positivas, você tiver alguma outra dica do que fazer enquanto um amor não chega, por favor, me avise, pois estou louco para saber!


Próximo post: A Pessoa Ideal

sexta-feira, 11 de março de 2011

Salto Mortal


Quem tem um mínimo de interesse por literatura com homossexuais como personagens principais já ouviu falar, em algum momento, do livro O Terceiro Travesseiro, de Nelson Luiz de Carvalho. Certa vez ouvi até mesmo dizerem que esse seria um livro obrigatório para um gay brasileiro, seria como Shakespeare da literatura LGBT nacional. Exageros à parte, é sim um boa história. À época em que o li, emocionei-me bastante (o livro com o qual mais chorei até hoje), ao mesmo tempo em que fiquei chocado com algumas situações e me vi confrontado com meus próprios preconceitos. Está muito longe de ser um excelente livro e unânime, contudo, a comunidade no Orkut tem mais de 5.500 membros.
Entretanto, este post não é para falar do travesseiro extra. Quis apenas começar com uma comparação. Se a quantidade de leitores representasse qualidade, eu nunca faria um post sobre um livro que atualmente, na mesma rede social, tem uma comunidade com apenas 10 membros.

Falo de SALTO MORTAL (The Catch Trap), da escritora estadunidense Marion Zimmer Bradley (1930-1999), mais conhecida pelas séries As Brumas de Avalon e Darkover. Foi esse livro sobre trapezistas que me inspirou a voltar a escrever no blog, e creio que posso considerar um dos melhores que já li na vida. Talvez, o melhor.


A falta de reconhecimento não é à toa. Trata-se de um livro que não foi divulgado. Praticamente não existem informações sobre o processo de escrita. O que pude encontrar de informações está basicamente neste site (clique AQUI).
Traduzo livremente e resumo: Salto Mortal teria sido escrito, ou pelo menos a primeira parte, em 1948 (a escritora tinha apenas 18 anos, mas parece-me que aos 16 já havia escrito A Espada Encantada, da série Darkover), porém somente foi publicado em 1979, chegando ao Brasil 20 anos depois, pelo selo Bertrand – aparentemente em uma única edição, o que se reflete na dificuldade de encontrar exemplares hoje em dia e no alto custo (por volta de R$80). A demora para lançá-lo nos EUA deve-se ao fato do tema ser bastante polêmico naquele período, quando homossexuais poderiam até mesmo ser presos por se relacionarem com outros homens.
O título original seria The Flyers (Os Voadores), entretanto, o editor achou que soava como uma história relacionada a aeroportos. Assim, mudou o título para o que conhecemos – The Catch Trap (é o nome dado à barra do trapezista-base). Interessante que “catch” significa “pegar, agarrar”, e “trap”, laço do qual não é possível escapar, além de ser uma referência à própria arte: trap(eze). Eu, particularmente, adoro o título da versão brasileira também.
Além disto, o que consegui de informações foi: esse é considerado pela família da Marion seu melhor e mais perfeito livro; e, aparentemente, o livro só teria sido lançado nos Estados Unidos, Inglaterra, Portugal e Brasil, mas existe uma versão em alemão também (Trapez). Creio que não tenha sido lançado em outras línguas, mas por falta de fontes confiáveis, não posso confirmar nada.


Mas afinal, do que tratam as 896 páginas do livro?

A história de amor entre dois trapezistas (homens), em uma época em que a homossexualidade era (muito mais) considerada uma doença e pecado. A saga de cinco gerações de uma família em torno do trapézio, com toda sua união, tradição, disciplina, dores e perdas. Um romance que tem o circo como cenário, com profissionais marginalizados, mas, ainda assim, dedicados a levar o melhor de sua arte ao público.
Resumir o livro como uma história gay é quase uma mutilação. O personagem principal é Tommy Zane, seguido de Mario Santelli. Ou até mesmo poderia ser um casal heterossexual qualquer. Contudo, o protagonista é o trapézio – o coração do livro, o que une (ou afasta) os personagens. É no alto da plataforma onde a ligação acontece, quase como uma relação sexual, segundo a autora.
Os dez anos (boa parte da década de 1940 e começo da década de 1950) e o local (colecionar coisas relacionadas ao circo sempre foi um hobbie para Marion) em que a história é destrinchada dão o tom à história. A família de trapezistas – Os Santelli Voadores – e a de Tommy, cujo pai é domador de leões, trabalham no mesmo circo, de segunda qualidade, onde todos são considerados “diferentes” apenas pelo ofício nômade. [E o engraçado é perceber a hipocrisia ao sentirem-se superiores aos saltimbancos.]
Tommy Zane (ou Tom), cujo olhar Marion privilegia, é um jovem de 14 anos que sempre sonhou em voar. Tem um coração puro e bondoso (a ponto de não guardar mágoas nem mesmo das piores humilhações), desde sempre é responsável, profissional, “adulto” e disposto a se doar por quem ama. Ele vê em Mario Santelli (ou Matt), no início do livro com 20 anos, um ídolo, um modelo e, com o tempo, um amor.
Matt é temperamental e costuma ser explosivo, difícil de lidar em alguns momentos. Contudo, tudo não passa do reflexo de problemas emocionais internos, e somente no final do livro conseguirá descobrir a solução e se livrar deles. Ele acolhe Tom a princípio como um irmão mais novo, um pupilo. E quando um sentimento maior começa a despertar e a se tornar ações, ao mesmo tempo em que ele deseja Tommy, sente-se culpado.
Alguns criticam a autora por uma possível incitação à pedofilia, já que Tommy tem sua primeira relação com Matt muito jovem. Os mais fanáticos utilizam inclusive a condenação judicial do ex-marido dela por pedofilia como “prova” de sua inclinação doentia. Uma total bobagem. Primeiro, porque não devemos avaliar a obra pela vida do autor. Segundo, porque eu desafio qualquer um que leu o livro a condenar Matt por suas ações. Tommy em nenhum momento foi levado a fazer o que não queria, inclusive ele poderia tê-lo acusado ou se afastado. E, por fim, creio que Marion quis reforçar a questão de mentor/pupilo, em uma sinergia tão profunda e forte que se torna emocional. Algumas vezes, inclusive, os gregos são citados na obra, já que jovens da Grécia Antiga ficavam com homens mais velhos para ter um modelo de bravura e virilidade. Um desonrar ao outro seria algo impensável. Creio que esta é a ligação estabelecida pela autora.

Polêmicas à parte, é um livro espetacular que nos transporta para o universo circense e nos traz imagens nítidas até mesmo dos mais complicados movimentos do trapézio. A tensão a cada voo, a cada salto mortal (o salto triplo na época era pouco realizado, e matou ou feriu a muitos) se torna física no leitor.
Os personagens são de uma complexidade ímpar. Envolvemo-nos com cada um deles. Mesmo ocultos, passamos a fazer parte da família Santelli e a respeitar a tradição que os tornou os melhores voadores.
Durante e após a 2ª Guerra Mundial, em uma época em que o impossível começava a ser questionado (a televisão acabaria com o espetáculo circense ao vivo? O homem algum dia pisaria na lua?), Matt desafiava a gravidade e buscava ser o terceiro homem a fazer o salto triplo. No alto do trapézio seu pescoço estava em jogo, e desde sempre ele e Tommy perceberam que qualquer problema deveria ser deixado do lado de fora da plataforma. A única promessa eternamente cumprida.
Ambos também desafiavam as regras da moral e do pudor da época ao ficarem juntos. O amor deles era enorme, mas a devoção de um ao outro, maior ainda, era inquebrável. Por isso não é apenas um romance. Muito mais que sexo e beijos escondidos, eles eram mais do que a soma das partes, eles formavam um único ser no picadeiro – um mesmo coração.
O livro não é perfeito (algum é?), há algumas frases repetidas que costumam incomodar o leitor, e a tradução contém alguns erros de gramática. Há quem diga que o livro é muito extenso e várias páginas poderiam ser cortadas sem fazer falta. Eu discordo. Nunca 900 páginas me pareceram tão pouco. O livro aborda muito da rotina do trapézio e essa sensação só poderia ser transmitida através da constância de algumas situações. E mesmo que o final seja um pouco previsível, é impossível não se sentir tocado e mexido com essa leitura. Ao final do livro, talvez uma má impressão (assim como a má sorte) seja melhor do que nenhuma.


A leitura do livro pode trazer inúmeras questões a debate e muitas lições podem ser apreendidas. Quanto à homossexualidade, vivemos em uma época bem mais permissiva e menos discriminatória (o preconceito, porém, ainda está enraizado). Contudo, o livro nos leva a refletir sobre questões que nunca mudam: a descoberta da sexualidade, aceitação (pessoal e por parte dos outros), e a vida “no armário” ou fora dele e todas as suas consequências.
Um texto do Teddy Pig (leia AQUI) exalta alguns pontos interessantes, então traduzo abaixo. Algumas das lições são:
- Somente porque você se apaixona por uma pessoa mais velha não significa que a idade vai, automaticamente, tornar o outro o mais maduro das duas partes envolvidas;
- Violência, eventualmente, irá destruir qualquer relacionamento e mais provavelmente sua vida;
- Sexualidade deve ser uma extensão de sua vida e não o foco dela;
- Somente porque você pode ter relações sexuais com uma mulher não significa que você deveria, e ter um filho não faz de você um heterossexual;
- Não importa o quão desesperada e dolorosa a vida se torna porque você é honesto sobre sua sexualidade e sobre quem você é, aceite que você irá sobreviver e ser melhor por causa disso.

Quer ter uma boa leitura (seja você hétero ou gay) ou quer ler um livro especificamente com personagens homossexuais?
O Terceiro Travesseiro? É bom.
Salto Mortal? É indispensável!
Na literatura LGBT eu já encontrei meu Shakespeare, meu Os Lusíadas, meu Cien Años de Soledad. E é tão mais do que isso, que não cabe não no rótulo “gay”. Fora a Bíblia, até agora não li nada tão especial como Salto Mortal. E fico triste ao saber que poucos tiveram o prazer de lê-lo, privilegiando livros tão inferiores, como O Terceiro Travesseiro, que, como me disse um amigo, se torna quase um livro pornô comparado ao Salto.

É... acho que é o meu livro favorito mesmo.

Observações
- Você pode fazer o download da versão doc do livro em português de Portugal AQUI.
- Agradecimento especial: ao meu amigo João Lucas, do blog Got Trouble, quem me apresentou essa incrível história. Obrigado!