terça-feira, 13 de abril de 2010

Armários Vazios

Quando uma criança nasce, se é menino usa azul; se é menina, rosa. Rapazes brincam com carrinhos; gurias, com bonecas. Homens jogam futebol, falam de política e sexo; mulheres cozinham, cuidam da casa e dos filhos. O sexo masculino tem que gostar do feminino; e a figura feminina necessita de uma masculina. Superficialmente, este é o paradigma, a regra, o considerado padrão correto, aceitável e digno. Mas e quando alguém não se identifica com o que é comum para a maioria?
Toda vez que um menino quer um brinquedo rosa ou quer brincar de casinha, os adultos já dizem “Isso não é coisa de homem!” – ele percebe que não pode gostar de algumas coisas. Toda vez que, na Educação Física, um rapaz quer jogar queimada, ao invés de futebol, e o professor não deixa – ele é obrigado a se encaixar em um grupo com o qual não se identifica. Toda vez que uma mulher fala que algum artista (digamos, Jake Gyllenhaal) é um “deus grego”, e o gay não pode falar o que pensa (“Concordo plenamente. Que homem gostoso!”) – ele tem receio de se expressar. Nas citadas situações e em milhares de outras, a cada mínima coisa fora do que é “comum”, o ser humano (antes de tudo!) gay é empurrado para um armário escuro, solitário, frio e aterrorizante.
Já pensou se você não pudesse fazer o que gosta, falar o que pensa, se vestir como quer, viver como deseja, amar quem você ama – enfim, não pudesse ser você mesmo? Você se anularia, parcial ou completamente, para se encaixar ao que a sociedade considera “natural”, “normal”, “correto”? Ou você preferiria ter o rótulo de “abominação”, ser o que é, e tentar mudar o pensamento geral da sociedade por meio da sua conduta de vida?
Há mais de 15 dias, o cantor Ricky Martin assumiu que é homossexual, depois de 38 anos de vida e mais de 25 anos de carreira, desde que entrou no extinto grupo Menudos. Este não é um caso isolado. Cantores e atores disseram ser gays ou bissexuais nos últimos tempos (Não "fim dos tempos"!). E, neste ano, vimos o considerado “BBB Colorido”. Ouço muitos afirmarem: “Nunca houve tantas ‘bichas’ no mundo?” Ou, pior: “O mundo está perdido mesmo!”
Acredito que a proporção de homossexuais no planeta é a mesma. Não li sobre nenhuma estatística oficial que prove que os gays estão dominando o mundo. O que está acontecendo é: Os armários estão ficando vazios! Para o desespero dos homofóbicos.
Todas as pessoas deveriam se colocar no lugar dos gays. (O ideal mesmo seria haver uma mágica em que, literalmente, fosse possível trocar de pele e sentimentos, pelo menos por 24 horas). Ninguém faz idéia de como é viver dentro do armário, a não ser quem está ou esteve lá.
Desde que me assumi (por etapas, ao longo dos quase últimos dois anos), todo dia luto para não voltar a entrar nessa “prisão emocional”.
A primeira etapa – tirar um pé do armário – é a autoaceitação. Demorei 16 anos para falar, pela primeira vez, a outra pessoa as três palavras mágicas: “Eu sou gay!”. Sempre soube o que era e o que queria, mas, mesmo assim, não foi fácil me assumir. Há pessoas que com 12 anos já são totalmente resolvidas. Quanto antes, melhor! O problema é que muitas pessoas sofrem sozinhas, caladas, pensando serem as únicas no mundo a ter aquela “doença”, “maldição”. Atualmente, temos a internet, que pode ser um dos motivos de tantas pessoas saírem do armário, já que conversar com outros iguais, trocar informações e conhecer novos amigos ou amores se tornou muito mais fácil.
Depois, geralmente, o homossexual se assume para os amigos. Mais um pezinho sai do armário. Aqui, muitas vezes, a aceitação costuma ser maior, pois cada um conhece o amigo que tem do lado, tem ideia de como será a reação dele. Porém, cada caso é um caso. Posso dizer que, quando meus melhores amigos souberam qual é a minha orientação, nossa amizade se fortaleceu sobremaneira. Amigos verdadeiros sempre ficarão do seu lado, te apoiando, aconselhando e, mesmo talvez não te entendendo, te aceitando.
Falar para a família: “Eu, filhinho/maninho/netinho, sou gay” é colocar a cara para fora do armário, com todo o perigo de levar um tapa da mamãe (que nem sempre aceita, como diz um quadro do Zorra Total), um murro do papai (‘Prefiro um filho morto!’), um cuspe dos irmãos (‘Não te conheço!’) ou puxão de orelha da avó (“Quer me matar logo, né?!”). Mesmo em situações onde os pais sempre desconfiaram, ou em uma família liberal – Quem dera fosse como em Ugly Betty, que a mãe faz uma festa ‘Saindo do Armário’ para o filho gay –, nunca vai ser uma notícia simples. É preciso lembrar que, para eles, os sonhos de casamento, ter netos/sobrinhos/bisnetos, etc. estão indo por água abaixo. Mesmo que não seja a realidade. Contudo, é nesta etapa que se coloca o rosto para fora, para ver quem verdadeiramente está do seu lado e ver se tem apoio para sair de corpo todo ou se volta para dentro do armário.
A fase anterior pode ser a mais difícil e dramática, mas é contra esta última que se trava uma batalha durante toda a vida. Assumir-se para a sociedade é sair definitivamente do armário, de cabeça erguida. É ter coragem para correr o risco de andar pela rua e levar “pedradas” todos os dias, ouvir xingamentos, sofrer insultos, preconceito, discriminação. É ter coragem de levar o marido para a confraternização de final de ano da empresa em que trabalha. É ter a ousadia de andar de mãos dadas na rua. É ter orgulho de responder a quem perguntar: “Namorada não, namoradO!”. É solicitar no check-in de um hotel um quarto com cama de casal e não duas de solteiro. É discutir com quem dá opiniões homofóbicas. É enfrentar o medo e, por exemplo, dar entrevista, para uma revista falando sobre homossexualidade, com o nome verdadeiro e não com um fictício (coisa que fiz para o Jornal da UCB nos últimos dias – e pensei muito antes de dar meu nome real). Não é nem um pouco fácil!
Algumas pessoas me perguntaram em várias ocasiões – seja uma amiga, em relação à entrevista; seja minha mãe, quanto a me assumir para minha avó; etc.: “Por que dizer para ‘Deus e o mundo’ que você é gay? Por que as pessoas precisam saber? Por que não ficar calado? Ninguém precisa saber!”.
Não. Ninguém precisaria saber. Não quero me assumir para mostrar que sou “rebelde”, “diferente”. Muito menos, não quero “envergonhar” minha família. Mas somente quem é homossexual vai entender essa necessidade – e não uma simples vontade. Explicar para os heterossexuais o porquê sair do armário é complicado, mas o gay SENTE que deve colocar para fora o que teve que segurar dentro de si a vida inteira.
A pergunta, sobre se eu deveria usar meu nome verdadeiro ou não na entrevista, ao invés de ser “Por que dizer seu nome?”, deveria ser: “Por que NÃO dizer meu nome?”. Eu tenho vergonha de ser o que sou? Tenho medo do que vão falar de mim?
Enfrentar a vergonha e o medo, por exemplo, é sair do armário com o peito estufado, mesmo com a possibilidade de descarregarem a munição em você. Cada um leva seu tempo. Cada um demora um período para vestir o colete a prova de balas e sair gritando “Guerra!” aos homofóbicos.
Não me entenda mal. Nunca é uma decisão simples de ser tomada. Durante toda a vida, os homossexuais vão ter que lutar contra si mesmos (seus próprios preconceitos e medos) e contra o mundo (por Liberdade, Igualdade, Fraternidade, etc. – Respeito, pelo menos).
Se o mundo está perdido? Quando vejo pessoas como Marcelo Dourado ganhando o BBB, acredito que sim. O problema não é nem a pessoa que ele é, mas, como li, o que ele representa.
O mundo estará perdido até perceber que o normal não é apenas o comum; até entender que toda regra tem exceção, e que a exceção não é algo a ser eliminado, algo ruim, mas sim entender que o diferente também é natural. E, acima de tudo, quando as pessoas passarem a colocar em prática o ensinamento de Jesus: "Amar ao próximo como a si mesmo!"
Torço para que todos os que estão dentro do armário (completamente, com um pé, os dois, a cabeça e/ou o tronco) tenham o discernimento de saber qual é o melhor momento para se assumir, tenham a bravura suficiente para deixar esses armários vazios e, de preferência, só tornem a enchê-los com todo o preconceito, discriminação, ódio, medo e desrespeito que há na sociedade. Por fim, que todos os gays tranquem o armário, com todos os males dentro, para todo o sempre e joguem a chave fora.

There's a "he" wolf in the closet
Open up and set "him" free
There's a "he" wolf in your closet
Let it out so it can breathe

Um comentário:

  1. Bem verdade. Cada um tem seu tempo, sua maneira, seu mundo. Mas nesse "seu" que mora o perigo. Nós, seres, que acho , dotados de inteligência, não nascemos pra viver isolados, e sim, num grupo, numa sociedade. Então precisamos saber respeitar uns aos outros, saber defender o que cada um tem de direito. E se possível ter armários vazios.

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